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01
2011

A Vida de Uma Pessoa Com Deficiência

Não gosto muito de escrever sobre esse assunto, principalmente porque não gosto muito da reação de algumas pessoas. Mas o fato é que sou uma pessoa com deficiência. Não mais portadora de deficiência, como inclusive menciona nossa Constituição Federal, porque afinal de contas deficiência, qualquer que seja o tipo, a gente não porta, mas convive com ela. A minha deficiência, com todas as dificuldades que ela traz, é parte da minha vida, da minha história, e é algo com o qual eu tenho que conviver todos os dias.

Logo que eu nasci, os médicos viram que eu devia ter algum probleminha: eu era molinha demais, nem conseguia respirar sozinha. Com o passar dos meses, muitos exames e muitas burradas que médicos disseram para os meus pais na tentativa de dar nome ao problema que me fazia diferente de outras crianças (fora alguns prognósticos lindos que acho melhor nem comentar), conseguiram encontrar, através de uma biopsia em um músculo meu (tenho a cicatriz da cirurgia na minha coxa até hoje), qual era o motivo de tanta preocupação: fui diagnosticada como portadora de desproporção congênita de fibras do tipo I.

Não, não tinha cura. Essa era uma deficiência que eu teria que conviver com ela. Fiz muita fisioterapia e com esforço e dedicação, aos oito anos, dei meus primeiros passos. Aos poucos deixei de engatinhar (sim, eu engatinhava na escola, era minha maneira de me locomover) e passei a caminhar sobre meus dois pés. E deixa eu te dizer uma coisa, era uma maravilha. Caminhar significava não ter mais as mãos sujas o tempo todo, os joelhos cheios de calos… caminhar foi meu primeiro grande passo para a liberdade.

Aliás, nunca fui de depender muito das pessoas que viviam comigo: se tem uma coisa que você valoriza quando convive com alguma deficiência é a independência. Podia não ter coordenação motora para fechar um botão, mas treinei muito para conseguir. E enquanto não conseguia, ia usando calças de elástico, ué.

Meus pais nunca me protegeram demais por causa do meu probleminha: só protegeram o tanto que pais devem proteger os filhos. Se eu quisesse e eles tivessem condições financeiras, podia viajar com a turma da escola, sim. Se eu não arrumasse minha cama, ficava de castigo. Se fizesse manha, não ganhava o que estava querendo.

Viajei muito para conseguir outros tipos de tratamento que podiam melhorar minha qualidade de vida: fui para São Paulo, para Brasília… se houvesse a possibilidade de um tratamento novo me ajudar, meus pais tentavam. Alguns deram certos, outros não, e outros simplesmente foram abobrinhas. Aliás, abobrinhas é o que não falta para o médico quando ele não sabe o que dizer e quer ser o salvador da pátria para o seu problema. Eu já ouvi muitas, e até hoje não gosto de ir em médico nenhum por causa desses traumas.

A única coisa ruim de andar foi que acabei com uma escoliose severa. Para quem não sabe, escoliose é quando a sua coluna forma um S nas suas costas. Por ser severa, tenho que conviver com mais uma consequência: minha respiração é bem dificultada, o que significa que fisioterapia vai ser minha companheira pro resto da vida. Problemas de força muscular e de equilíbrio também caminharão comigo.

Mas isso nunca quis dizer que eu não viveria minha vida do melhor jeito possível: já fiz faculdade, passei num concurso, fui morar fora de casa sozinha, voltei, me virei, aprendi a dirigir (aliás furei o pneu hoje)… A verdade é que a maioria das pessoas que não tem a oportunidade de conviver com algum tipo de deficiência imagina que seria um martírio todos os dias e que a vida da pessoa com deficiência giraria em torno dessa diferença que ela tem com a maioria das pessoas, mas não é assim. A deficiência é mais uma coisa com a qual eu lido no meu dia-a-dia, assim como tenho que lidar com o fato de ser teimosa, de que o meu cabelo não coopera comigo nunca e que minhas unhas vivem quebrando. É algo chato, mas que faz parte, já diria o filósofo.

Imagem retirada do blog Monique Lima

Não sei porque exatamente decidi contar tudo isso. Talvez eu precise colocar essas memórias em palavras, como que colocando a limpo. Não quero que esse blog vire um diário de como eu lido com isso, até mesmo porque essa é só mais uma parte, e não a história inteira. Mas também não podia ignorá-la, então aqui está.

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11 Comentários
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Vania
Vania
13 anos atrás

Mari, eu sei que você não gosta que te digam isso, mas eu te admiro demais, guria. Quem não tem que conviver com uma deficiência, quem tem tudo fácil demais – como eu tive (meu maior problema na infância era ter o pé torto, big deal né) – nem imagina como é viver assim. Eu te admiro por você valorizar sua independência, por você viver sua vida de maneira normal, por você ser uma pessoa forte ao lidar com isso e com tantas outras coisas da vida. Enfim, senti necessidade de dizer isso depois de ler o seu post, mesmo… Ler mais

Lucy
13 anos atrás

Eu não sei muito bem o que dizer, Mari. Muitas pessoas ainda pensam dessa forma retrógrada de que pessoas com deficiência vivem num martírio, são coitadinhos e são dependentes de todos. Outras já acreditam que as pessoas com deficiência são como as pessoas sem deficiência, apenas têm um molde diferente. O segredo é não se acodomar – e esse segredo serve para quem não é deficiente também.
Eu gostei de você ter postado, porque serve como exemplo contra pessoas acomodadas ou mesmo preconceituosas e ignorantes a respeito de deficientes.
Bjos bjos!

Lucy
13 anos atrás

Mari, te indiquei num meme literário pra vc! Confere lá na minha chocolateria!

http://chocolateria-lucy.blogspot.com/

Bjos!

Francisca
Francisca
13 anos atrás

Linda sua historia, você é uma lutadora, parabens. Quantas pessoas que são perfeitas e não se mechem……………

Jacqueline
Jacqueline
Reply to  Francisca
11 anos atrás

Mariana, olá!
Meu nome é Jacqueline, sou de SP e estou em busca de pessoas que tenham desproporção congenita de fibras do tipo I como eu e você.
Podemos trocar idéia sobre? Pois nunca conheci ninguém com esta deficiência até hoje.
Obrigada,
Jacqueline

Lucas
Lucas
10 anos atrás

Sua história é bem interessante, ser assim não é nada fácil também sou uma pessoa como você diz. (probleminha). Nem sei sobre oque fala disso, porque como você eu também odeio falar sobre essas coisas, como todo mundo eu acho. As vezes eu me pergunto, porque? porque eu?. Ai me deparo no espelho e penso, não adianta pensar, reclamar, enfim. Hoje em dia é dificil ser assim porque em qualquer lugar que você vá, sobre algum tipo de preconceito, em olhares por exemplo. As pessoas acham que apenas olhando não fais mal, mais faz sim. Boa sorte com sua batalha,… Ler mais

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8 anos atrás

[…] como vocês também já devem saber, eu sou uma pessoa com deficiência. Eu não tenho vergonha nenhuma disso e já até postei um pouco da minha história aqui. Mas […]

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8 anos atrás

[…] (leia mais) […]